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Imperfeições à parte, o Flamengo de Ceni tem a rara disposição de ousar

Willian Arão em Vélez Sarsfield x Flamengo — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

É justo discutir se o time deve perseguir um maior equilíbrio, mas é descabido esperar que o treinador dê uma guinada radical na direção do pragmatismo

Este Flamengo de 2021, o Flamengo de Rogério Ceni, parece destinado a alimentar um antigo debate. De um lado da balança, coloca-se tudo o que se ganha ao reunir num time a melhor qualidade técnica disponível. De outro, o que se perde ao fazê-lo, ou ao menos os riscos que se assume, porque o futebol é quase sempre um cobertor curto. Ganhe ou perca, é fascinante que Ceni nos ofereça este debate, porque são raros os treinadores dispostos a ousadias. É saudável haver um time com tal predisposição ofensiva.

É um engano recorrente rotular os ousados como românticos descompromissados. Técnicos que saem do lugar comum e escolhem um jogo que privilegia o ataque não o fazem, em geral, por mero compromisso estético, mas por acreditarem ser este um caminho mais seguro para ganhar. O futebol é um jogo de convicções e tê-las é passo primordial para convencer jogadores de uma ideia, fazê-los seguirem o seu treinador. E Rogério parece disposto a apostar em suas crenças.

A vitória em Buenos Aires reforçou os argumentos do treinador. Porque numa noite em que o Flamengo não foi especialmente brilhante, não esteve coletivamente impecável, ficou claro o quanto a soma de talentos foi decisiva. Do passe de Gérson para o gol de Arão ao chute fatal de Arrascaeta no ângulo, passando pela finta de Gabigol no goleiro antes de sofrer o pênalti, a disposição de Rogério de reunir os melhores pagou um prêmio.

Mas nada disso impede reconhecer que o mesmo Flamengo que impõe medo com a bola apresenta fragilidades sem ela. O que talvez seja fora de lugar, após tantas demonstrações do treinador de sua total decisão quanto ao modelo de jogo, seja discutir se Ceni deve suprimir todos os riscos e dar uma guinada radical que violente seus princípios. E aí não se trata de discutir apenas a presença de Willian Arão na zaga ou de Diego numa dupla de volantes com Gérson. O que parece descabido é esperar que o treinador se renda ao pragmatismo, recue em sua proposta de jogar no campo rival e controlar jogos a partir da bola, ainda que isso resulte em riscos.

Este Flamengo, como qualquer equipe, deve ser analisado por sua capacidade de se aproximar do equilíbrio, mas tendo como ponto de partida as ideias de Ceni, as suas propostas. E isto implica em conviver com riscos, ao mesmo tempo que se busca minimizá-los. Em Buenos Aires, a bola perdida no primeiro gol do Vélez Sarsfield golpeou justamente uma fragilidade rubro-negra: talvez pela característica dos jogadores, o time não mantém por 90 minutos uma concentração suficiente para reagir bem a cada perda de bola. É possível que o tempo - e o trabalho de Rogério ainda é recente, algo que por vezes perdemos de vista - possa fazer o time ser mais compacto, mais coordenado em suas linhas, de forma a oferecer menos espaço.

Também é verdade que haverá jogos mais físicos, sequências de partidas que dirão se a dupla Diego e Gérson pode, por um encontro que seja, ser revista. Ou, ainda, diante de rivais que venham a exigir muito da linha defensiva, pode haver circunstâncias em que Arão contribua mais no meio-campo, dando lugar a um zagueiro nato. Mas o fato é que, em Buenos Aires, Diego teve atuação exemplar, reforçando a impressão de que, ao menos em boa parte da temporada, pode ser o volante e, por vezes, o regente deste Flamengo.

Parece mais sensato avaliar o trabalho de Rogério observando se este Flamengo evoluiu coletivamente, se ganhou certa flexibilidade para situações específicas de jogo, se reduziu seus desequilíbrios e se consegue, com o tempo, reduzir os riscos. Mas não parece cabível esperar que os elimine, que abra mão de uma identidade que vem construindo, pois não é isso que seu treinador persegue. O Flamengo é um time disposto a lidar com o ônus de sua proposta de jogo.

O futebol brasileiro é um ambiente peculiar em que o atual bicampeão não é um time pronto. Afinal, trocou de técnico em novembro e, desde então, cumpriu uma farta lista de compromissos em duas temporadas quase emendadas uma na outra. Este Flamengo ainda tem defeitos, oscila até mesmo com a bola, afinal a forma de atacar com Rogério Ceni não é uma reedição do jogo de 2019, como muitos insistem. E sem a bola, claramente ainda se expõe. É impossível dizer se será campeão da Libertadores ou se ganhará novamente o Brasileiro. E, esta certeza, nenhum time tem a esta altura. Mas a disposição de acomodar seus talentos ainda oferece mais do que grandes momentos: nos lembra o quanto esta é uma equipe difícil de ser batida. E que nos permite retomar o debate entre pragmáticos e ousados, tantas vezes suspenso por falta de adeptos deste último grupo.

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